domingo, 15 de abril de 2012

Às vésperas dos oitenta


A idade já está me pesando! Pernas cansadas cambaleiam... A mobilidade fugiu de mim há algum tempo. Não sei se chegarei aos oitenta. Também não sei se verei o próximo verão, mesmo que este esteja bem próximo! O ar seco me sufoca; o ar gélido que corrói como uma estaca a matar os vampiros medievais e suas capas rubro-negras.

Já não há mais o que comemorar... Menos ainda o que esperar se não a partida para outro lugar melhor que esse - sob o ponto de vista das minhas benfeitorias -, ou pior, se forem contabilizados os inúmeros erros, que após os quarenta fiz questão de apagar da minha memória. Esta, cada vez mais seletiva. Porém, ainda há o que lembrar! Agradecer, pedir perdão...

Aos amores que feri, sem saber que eram meus... Peço que me perdoem! O peso da idade muitas vezes me fez falta a ponto de me cegar e não perceber o quanto seria importante pra ter vocês em minha vida. E os amores que feri, ciente de que me pertenciam, esqueçam! Meu humilde pedido, a essa altura da vida não vai adiantar, a menos que tenham passado a vida inteira esperando por ele. Nesse caso, as desculpas são pelo tempo que fiz vocês perderem esperando por um ato que na minha juventude jamais faria!

Aos amigos que me acompanharam até aqui... Agradeço! Muito a Deus por ter deixado vocês viverem tanto quanto eu, para podermos rir das histórias que a memória não apagou, rir das fraquezas que lhes atingiram e me deixaram imunes... E vice-versa! Aos amigos que perdi por orgulho de ambas as partes, se vivos estiverem, peço que me visitem. Façamos as pazes! Não me deixem partir com esse título de ranzinza que carrego desde a menoridade. Aos amigos que perdi por causa de caminhos separados agradeço imensamente o prazer de tê-los conhecidos. Aqueles abraços que precisei e não me negaram nunca saíram da minha cabeça. As risadas desenfreadas, as cervejas quentes que bebíamos só de sacanagem, os sambas que dançamos juntos e tantos carnavais perdidos também não. Assim como nunca me esqueci dos banhos de chuva e as juras de amizade eterna. Os sonhos foram planejados juntos, mas a execução foi cada um por si. Feliz por saber que vocês conseguiram sozinhos!

Aos parentes que se perderam no tempo e no espaço... Saudade! Saudade da infância, onde um tio distante apertava minhas magras bochechas, jurando que no natal anterior, elas eram menores! Saudade das tias gordas, que ofereciam os melhores abraços e colos, além dos melhores quitutes. Era eu quem os provava, dava um “joinha”, roubava alguns e caminhava para o campinho, jogar futebol até a hora do almoço.

Aos empregos que tive... Um muito obrigado pela oportunidade de crescer e aprender a filtrar o que deveria ser levado para o resto da vida.

À minha mãe, diria que por todos esses anos em que fiquei sem sua companhia, não deixei de pensar nela um dia sequer. Talvez, o que de bom me espera seja ela! Caso nos encontremos, ela estará linda, conservada da maneira que partiu. E eu, um velho, parecendo seu pai! Mas como me acompanhou mesmo de longe, me reconhecerá e me receberá com aquele abraço que fez falta durante toda a minha vida. E me dará o colo tão aguardado. E como quem embala um vovô na cadeira de balanço, ninará seu próprio filho, desfigurado pela força do tempo.

Talvez eu tenha mais o que falar, mas não me lembro. Essa luz fraca do quarto não serve muito para me manter acordado. Caso eu tenha algo a dizer, que não conste aqui e eu parta antes de ter essa oportunidade, peço a um anjo que me faça esse favor... Caso eu encontre algum! Mas agradeço a Deus, por ter me dado essa semana, esse dia... Ou apenas mais alguns minutos para expressar o que tenho vontade há tantos anos. Vai que eu não chegue aos oitenta ou ao próximo verão... Mesmo estando ele tão próximo, não é?


Leonardo Pierre

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Será que não está ficando tarde demais pra algumas decisões na vida?