quarta-feira, 11 de março de 2015

Seguimos esperando...

 


     Pelo fim do dia; pela sexta-feira; pelo grande amor. Esperando pelas festas; pelo natal; pelo verão e o carnaval.
     Esperando pelo trem, como Pedro Penseiro; pelo fim do mês e o salário; pelo aumento que demora a vir...
     Esperando pela sorte; pelo destino. Esperando pelo milagre. Aceitando a sina e o "carma". Aceitando o açoite da carne.
     Seguimos esperando nove meses... Ou sete. Esperando o anúncio do sexo. Esperando o encaixe no sexo.
     Esperamos fazer 18. Depois 20, 30... Esperamos pelo casamento e depois pela coragem de dizer "chega".
     Esperamos virar o ano. Depois o outro e o próximo. Impressionante como raras vezes o tempo presente é aceito como um presente.
     Chegará um dia em que estaremos próximos do fim e nos daremos conta que desperdiçando momentos, na torcida para antecipar os próximos, estivemos de algum modo abreviando a vida passando todo o tempo esperando, esperando, esperando...

terça-feira, 3 de março de 2015

Morena Gê

 

     O problema é que ela era bonita. Morena, magra, bunda grande, cabelo cacheado, gostosa. O tipo de mulher que o gringo descreve quando fala das brasileiras. E para a sorte de muita gente, ela era carioca. Muita gente mesmo...
     Por saber de todo seu poder feminino (e  o conhecimento desse poder é a maior arma de uma mulher), usava e abusava da sedução latente na sua personalidade, sem pudor nenhum. Possuía um número vasto de admiradores (para usar um termo "light") e uma lista bem reduzida de namorados. O pessoal gostava disso, afinal, para que privá-lo de tanta beleza desfilando pelos cantos da cidade?
     Acostumada a transitar pelos sambas, pagodes, festas e bailes, não se fazia de rogada quando queria a companhia de quem quer que fosse. Arrastava consigo sempre uma fileira de amigas, amigos e até um ou outro caso e até ex casos amorosos. Normal... Para ela. Mas daquela vez ela exagerou...
     Era a semana que antecedia um super baile de música negra. Uma noite black, dedicada inteiramente ao ritmo, cujo estilo tinha tudo a ver com ela, como quase todos. Fez seus contatos e foi tratando de convidar seus amigos. No calor da emoção e tomada pela euforia, convidou um amigo com o qual já havia tido um caso. Depois, chamou um "ficante" atual. Após, outro rapaz, que também estava "conhecendo" há algumas semanas... E assim ela foi se empolgando e convidando, até chegar no inacreditavel número de 11 "amigos", todos com algum tipo de envolvimento amoroso ou sexual. Ela só não contava que todos aceitassem prontamente o convite. Mas ela, que nunca negou gostar de ver o circo pegar fogo, se divertia com a história e imaginava o quanto seriam engraçadas as cenas desse episódio.
     Chegado o dia do baile e lá foi ela se preparar para a noite: saia amarela começando na altura do umbigo e terminando num tamanho suficiente para tampar o que não deve ser deixado à mostra; blusa branca, colo aberto e barra logo abaixo dos seios, deixando livre a brecha que exibia uma barriga lisa, morena e sem excessos, aparecendo até o amarelo da saia que realçava ainda mais sua cor alucinante; o cabelo alisado, rejeitando qualquer tipo de ditadura que a obrigasse deixar seu cabelo cacheado só porque virou moda deixá-lo assim.
     Saiu de casa sozinha. Afinal, companhia não faltaria. Os onze rapazes, coitados... Também foram sozinhos. Chegando, um a um. Não se conheciam. Eram brancos, negros, magros, altos, fortes e até alguns com um padrão de beleza duvidoso. Era diversificado o gosto da moça.
     Ao chegar no baile, o que viu foram sorrisos e olhares brilhantes. Desde o DJ, passando pelos 11 trouxas, até os vendedores das barraquinhas... Apenas os onze se sproximaram, instantaneamente, a cumprimentaram e ficaram ali ora dançando, ora como guardiões, protegendo-a dos outros. A danada evitou o quanto pôde qualquer contato íntimo. Exceto quando arrumava um jeito de ir ao banheiro com um, ou buscar uma bebida com outro, ou outra desculpa para se ausentar com os nove restantes. Um de cada vez.
     Aquela zona parecia ordeira, até a princesa resolver flertar com um mulato à poucos metros dali. Alto, forte com os braços amostra em sua regata, um boné mal posto na cabeça, ginga negra e sorriso amplo. Não satisfeita com os onze rapazes que a cortejavam, se aproximou da décima segunda vítima e dançou sensualmente, de frente e de costas, provocando aquelas reações hormonais no pobre mortal.
     Enquanto se deleitava da música e do corpo do moreno, sorria para os outros, ignorando o fato de estar se iniciando uma guerra entre eles. Estes, se dando conta de que estavam ali pelos mesmos motivos, convites e intenções, a xingavam, enquanto alguns a defendiam e outros já se degladiavam. E ela? Ria, diabolicamente, enquanto mordia o canudo da caipirinha. Àquela hora, os onze iludidos já trocavam socos indiscriminadamente entre si, enquanto ela se entregava aos beijos e braços do tal mulato nunca visto antes por ali.
     E enquanto o sangue dos enganados já manchava o chão da Pedra do Sal, o do negro fervia, o impulsionando a arrastar a "menina-moça-infernal", que de livre vontade deixava ser levada por ele, que mal a conhecia e tinha nada a ver com a história. E viveram felizes até o baile seguinte...
   

                                 Leonardo Pierre