segunda-feira, 27 de julho de 2015

Os sentidos das memórias


     Sou assumidamente nostálgico. Saudosista nível 11, numa escala de 0 à 10... Vou me apegando, por exemplo à perfumes que me remetam à determinada época. E essas lembranças vão me levando à outras, me ligando à terceiras, e quando vejo, já estou em 1994, de cara com as mortes de Senna, Tom Jobim e Mussum; vibrando e me emocionando com o Tetra, cantando a música do comercial da Kolynos ("...hálito puro refrescante pra vale-e-er..abra um sorriso feliz..."♪). Tenho lembrança até hoje do perfume da minha professora do C.A., que equivale ao primeiro ano das crianças de hoje.
     As músicas, então... Tem um poder absurdo de me transportar diretamente pras cenas mais desimportantes da vida. De repente, assim, do nada, estou com 7 anos, ouvindo os discos da Xuxa ( que a esta altura já eram antigos), num aniversário meu qualquer, em que me era permitido um dia inteiro escutando os discos da loira, de quem fui muito fã a infância inteira.
     Às vezes vejo algum letreiro e a fonte cujo letreiro foi escrito me lembra daqueles seriados japoneses. Viciado mirim em Changeman, Jaspion e todas as sagas japonesas dos anos 80 e 90, sou jogado de novo pra lá, como quem está num sofá, se empapuçando de bolinhos de chuva e olhos vidrados na TV Manchete...
     Esse apego às recordações se deve ao fato de, talvez, eu sofrer da síndrome de Peter Pan. Crescer? Nunca quis... Vou preenchendo meus espaços de saudade. Memórias gostosas que sobrevivem graças aos perfumes, às formas, cores, tons e sons. Vou vivendo fazendo essas associações, como quem sempre vai conseguir um jeito de não apagar o passado, e, mais que isso, perambular sempre por lá. Talvez seja uma forma de não crescer. Uma fuga desse mundão louco para aquele em que a Xuxa descia da nave, tomava café da manhã numa mesa gigante e cantava como se fosse só pra mim. Desse jeito, vou sorrindo pra mim mesmo, sendo chamado de louco, mas me permitindo fechar os olhos e ser feliz de novo, daquele jeito simples que as crianças conseguem ser.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Meu reflexo II

 

      Certa vez acordei e dei de cara comigo. Maldito espelho que insiste em me mostrar. Do lado de cá, indisposto a ver quem quer que fosse, me obriguei a sorrir, na tentativa de refletir algo positivo para o restante do dia. E saí, mal convencido.
      Tomei um ônibus e, antes que pusesse meu pé no primeiro dos degraus, vi meu rosto mal humorado no retrovisor. Obriguei-me a sorrir. Enquanto isso, o motorista me sorria, pensando que meu riso era para ele. Desejou-me um bom dia caloroso, e a trocadora refletia o sorriso do motorista, que refletia o meu, que não passava de um reflexo mentiroso do retrovisor do ônibus.
      Ao chegar no trabalho, me sentei e a mesa de vidro, teimosa como todos desse dia, me refletia. Obriguei-me a sorrir, a fim de me iludir com um dia agradável. Nisso, chegando os colegas funcionários, os mesmos me sorriam de volta, sem saber que meu sorriso era falso. Tanta graça foi iluminando o dia que, àquela altura, eu já nem lembrava porque começara tão ruim...
      No fim do dia, contabilizei tantas risadas espontâneas a partir de sorrisos forçadamente refletidos que resolvi beijar meu espelho e o agradecer, como quem agradece a si mesmo, pelo lindo dia que ele me proporcionou.
                          (...)
      Hoje acordei e dei de cara comigo. Bendito espelho, inspirador dos sorrisos de todo dia.