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Depois de alguns meses que a Saudade me
ligou, aconteceram incidentes na minha vida. Perdi pessoas, me perdi em tudo...
E adivinhem o que eu passei a sentir: saudades. Mas aí, quando eu queria mesmo
falar com ela, ela não me ligou mais, só se fez presente no ar, pertinho de
mim. Tão perto que eu parecia sentir sua respiração!
Nesses momentos eu lembrei de que a ligação
tinha caído antes de ela me dar a última recomendação, a qual começava com “Faça de mim...”. Fiquei durante meses
tentando entender o que a D. Saudade quis dizer pra mim, e talvez, queria que
eu espalhasse por aqui. Recebi milhares de ligações nesse período e nenhuma delas
era da Saudade, ou do Amor, ou de nenhum desses sentimentos, como me havia
prometido.
Certa noite, dessas em que chove muito e faz
um frio dos pólos, onde também é quando a saudade dói mais (desculpa D.
Saudade, sei que a senhora não gosta de admitir, mas tem me maltratado
bastante!) meu telefone tocou. Achei que fosse um amigo, uma amiga, uma tia,
prima... Mas não era nenhuma dessas pessoas da lista óbvia que todos temos.
- Alô!
- Oi meu filho, tudo bem? – Disse ele, com
voz imponente, bem impostada, quase ecoando. Achei inclusive, num primeiro
momento, que fosse Deus... Ah, vai saber... Com medo, continuei:
- Tudo bem sim, mas quem está falando?
- Você foi avisado de que eu ligaria, não tem
nenhuma suspeita?
Não... Eu não tinha nenhuma suspeita. Naquele
momento nem passou pela minha cabeça a lista de “pessoas” que a D. Saudade
disse que me ligaria. Suspeitei, a partir daí, que fosse algum professor me
cobrando trabalho, algum amigo do trabalho perguntando de planilhas. Depois de
reparar nos meus cinco segundos de silêncio, ele se apresentou:
- Sou eu, o Tempo!
- Ah, pára! De novo isso! – Exclamei
surpreendentemente irritado com a ligação. Afinal, perdi a pessoa mais
importante da minha vida alguns meses depois que a Saudade me ligou. Pensei:
“Qual será o ônus que terei depois de mais essa ligação surpresa?” E como quem
entendeu minha indignação, o Tempo continuou:
-Calma, filho! Em primeiro lugar, não vou
brigar com você como fez a Saudade. Embora vocês aqui me vêem passar e nada
fazem. Mas ela estava nervosa e muito agitada naquele dia. É temperamental,
apesar de essa ser uma característica que remeta a mim. Fique tranqüilo porque
eu já briguei com ela... O motivo da minha ligação é minha preocupação com
vocês! Aquele baiano, o Caetano, me chama de deus e fez acordo comigo. Mas
tirando ele, ninguém me nota. Me deixam passar e sabem que eu não volto da
mesma forma. O que passou, passou! O vento é outro e o Tempo também.
- Vem cá, Tempo... com todo o respeito:
porque eu tenho que ser o porta-voz de vocês aí do sei-lá-onde-vocês-vivem ?
- Isso quem tem que descobrir é você!
Acontece é que por um problema da nossa operadora telefônica a ligação que a
Saudade fez pra você caiu e ele não terminou de dizer o que queria. Mas o que
me deixou chateado é que você não fez muito esforço pra entender o que ela quis
dizer. Ela iria completar falando pra vocês fazerem dela um instrumento de
superação. Além é claro de usarem ela pra lembrar-se de coisas boas, momentos
bons. Ela só existe pra que vocês possam reviver, em pensamento, tudo aquilo que
lhes proporcionou alegrias em suas vidas.
E eu, tenho participação nisso, por isso estou ligando
- Ah, claro... Vocês e suas ligações! Saudade
irmã do Amor, agora vêm o senhor me dizer que tem a ver com eles também. –
Resmunguei, abusando da paciência do Tempo.
- Isso mesmo. A Saudade dói às vezes, embora
ela não reconheça isso. Mas eu venho pra trazer as lembranças e quando vou
embora, levo comigo um pouco da dor. Aquela frase clichê “Com o tempo tudo
melhora” é batida, mas é verdade! Comigo, as coisas vão melhorar, tudo vai
clarear, o sol vai brilhar outra vez. Mas lembre-se: Eu passo, eu sempre mudo.
Assim como o vento, meu grande companheiro de anos e anos...
Mais calmo, passei a raciocinar e lembrar de
todas essas frases que a gente ouve durante a vida e vi que o que o Sr. Tempo
me falou fazia todo o sentido, mesmo que nossa incredulidade nos bloqueie. Devo
dar esse voto de confiança ao Tempo. Dizem que ele é “um dos deuses mais
lindo”.
- Tudo bem. Vou acreditar no senhor e esperar
que me ajude. Não que eu não goste do senhor, mas demora muito a passar não,
ta? Leva um pouco essa dor da saudade e trás a bonança pra perto de mim!
Parece que ele não gostou muito e
respondeu-me:
- O problema de vocês é que não sabem lidar
com as coisas ruins que, mesmo sendo assim, ensinam muito. Ande um pouco, pense
na vida, esqueça do mundo, pense em você, reorganize seus planos. Aí sim,
poderei ajudar! Sinto muito meu filho, tenho pressa e preciso ir... Muita coisa
pra pôr em ordem na vida de quem já aprendeu a conviver com a Saudade e agora
depende de mim. Fique com meu Grande Mestre!
Pelo menos dessa vez a ligação não caiu e
pudemos completar a chamada. O Sr. Tempo e sua voz de locutor que, a principio
tinha me assustado, venho pra tentar clarear meus pensamentos. Acredito que
tenha aprendido alguma coisa. Mas pôr em prática, só com o "Tempo"!
Leonardo Pierre
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E não é que o Tempo ligou?