quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Coração Vagabundo



Quantos olhares, e flertes, e sorrisos de canto
Quantos encantos perfumados para um encontro qualquer
Que, antes de ir, deixou em mim a paixão.
Passageira. Mal me lembro de seu rosto...
Quantas mãos dadas flagrei e pelos dois me apaixonei!
Num surto de um ladrão, quis separar suas mãos
Para entrar no coração de ambos
Amar e ser amado num triângulo pervertido e vulgar
Danem-se as regras e o bom senso e o bem.. e o senso!
Quantas vezes neste dia
Olhei para as mãos de quem atendia
E gaguejei no meu ofício
Transpareci a paixão repentina
E lhe sorri, como criança no natal
E lhe esqueci, igual às passas do natal
Me apaixonei sem me apegar
Varias vezes em um dia
Imagine, que loucura,
Contabilizar durante a vida.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Desesperança



Estamos no vazio do mundo
O alívio não chega
O trem não chega
O socorro não chega
São gritos vãos
Pedidos tolos por compaixão
A mão não pega a mão do irmão
Tá tudo cheio e tão vazio
A água não chega
A morte não chega
Agoniza precoce
Paga qualquer preço e não vê troco
Nem matéria nem imagem
Mesmo que seja pouco

A bomba chega
A faca é cega
Fere e mata
Quando mata,  não explica
E quando explica já enterrou
O inquérito é vão
O policial já atirou
O terrorista já explodiu
Os omissos não divulgaram
E você nem se deu conta
Que se desse a mão ao irmão
Se o trem chegasse
Se o alívio chegasse
Se fome não matasse
Não viveria essa desesperança
No meio do mundo
No centro de tudo
Contando só consigo
Ou com a sorte

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Morre gente


Morre gente triste
morre gente forte
Morre quem duvida
Até da própria morte

Morre o Delegado
Morre até o juiz
Que julgou em vida
O que é ser feliz

Morre a menina
Que tão jovem ainda
Nem deu tempo de
Achar a vida um porre

Morre a senhorinha
Que viveu com medo
A vida inteira
Pensou só na morte

Morre o transviado
Que com Deus debate
Morre gente crente
Morre o homem ateu

Morre todo mundo
Todo mundo morre
Quem fugiu da morte
Nem sequer viveu

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Adeus, infância


Adeus, brinquedos, adeus
Não mais teremos
Adeus lanchinho na vó
Com os netos seus
Adeus corrida do saco
Adeus, turminha
Brincar na rua, à tardinha
Adeus, adeus

Adeus, infância querida
Não mais veremos
Casa na árvore de outrora
Com os primos meus
Adeus "carrin" de rolimã
Bola de gude
Amarelinha e pião
Adeus, adeus

No chão, corrida de tampinha
Não brincaremos
É cada um com seu jogo
Em jogo seu
E cada qual do seu lado
Ninguém se fala
Às amizades, de fato
Adeus, adeus

Banho de chuva nem pense
Não tomaremos
As doencinhas derrubam
Os filhos seus
Os anticorpos,
não mais produziremos
Adeus, comer à vontade
Adeus, adeus

Ainda espero que um dia
Nós encontremos
Numa cidade remota
A tenra idade
Verdadeiramente livre
De pés no chão
Longe de tanto aparelho
Que aprisiona
Mostrando o simples prazer
Da felicidade.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

À toa na vida...

   
     Já perdi tanto tempo querendo algo que não deveria; lutando por algo que não teria... Nesse tempo, deixei a janela aberta, o feijão no fogo, a geladeira aberta.
     Quando me dei conta, não tive o que tanto lutei pra ter, enquanto o feijão queimava, o gelo derretia e molhava toda a cozinha, e a banda passava cantando coisas de amor, com tantos amores melhores com fantasias de carnaval.
     Só aí eu percebi que perderia mais tempo ainda recuperando o estrago que a perda do tempo causou. Tive de limpar o fogão e a cozinha, pôr minha fantasia e correr atrás da banda, que àquela altura já estava pra lá depois da dispersão... Ainda não cheguei.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Os sentidos das memórias


     Sou assumidamente nostálgico. Saudosista nível 11, numa escala de 0 à 10... Vou me apegando, por exemplo à perfumes que me remetam à determinada época. E essas lembranças vão me levando à outras, me ligando à terceiras, e quando vejo, já estou em 1994, de cara com as mortes de Senna, Tom Jobim e Mussum; vibrando e me emocionando com o Tetra, cantando a música do comercial da Kolynos ("...hálito puro refrescante pra vale-e-er..abra um sorriso feliz..."♪). Tenho lembrança até hoje do perfume da minha professora do C.A., que equivale ao primeiro ano das crianças de hoje.
     As músicas, então... Tem um poder absurdo de me transportar diretamente pras cenas mais desimportantes da vida. De repente, assim, do nada, estou com 7 anos, ouvindo os discos da Xuxa ( que a esta altura já eram antigos), num aniversário meu qualquer, em que me era permitido um dia inteiro escutando os discos da loira, de quem fui muito fã a infância inteira.
     Às vezes vejo algum letreiro e a fonte cujo letreiro foi escrito me lembra daqueles seriados japoneses. Viciado mirim em Changeman, Jaspion e todas as sagas japonesas dos anos 80 e 90, sou jogado de novo pra lá, como quem está num sofá, se empapuçando de bolinhos de chuva e olhos vidrados na TV Manchete...
     Esse apego às recordações se deve ao fato de, talvez, eu sofrer da síndrome de Peter Pan. Crescer? Nunca quis... Vou preenchendo meus espaços de saudade. Memórias gostosas que sobrevivem graças aos perfumes, às formas, cores, tons e sons. Vou vivendo fazendo essas associações, como quem sempre vai conseguir um jeito de não apagar o passado, e, mais que isso, perambular sempre por lá. Talvez seja uma forma de não crescer. Uma fuga desse mundão louco para aquele em que a Xuxa descia da nave, tomava café da manhã numa mesa gigante e cantava como se fosse só pra mim. Desse jeito, vou sorrindo pra mim mesmo, sendo chamado de louco, mas me permitindo fechar os olhos e ser feliz de novo, daquele jeito simples que as crianças conseguem ser.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Meu reflexo II

 

      Certa vez acordei e dei de cara comigo. Maldito espelho que insiste em me mostrar. Do lado de cá, indisposto a ver quem quer que fosse, me obriguei a sorrir, na tentativa de refletir algo positivo para o restante do dia. E saí, mal convencido.
      Tomei um ônibus e, antes que pusesse meu pé no primeiro dos degraus, vi meu rosto mal humorado no retrovisor. Obriguei-me a sorrir. Enquanto isso, o motorista me sorria, pensando que meu riso era para ele. Desejou-me um bom dia caloroso, e a trocadora refletia o sorriso do motorista, que refletia o meu, que não passava de um reflexo mentiroso do retrovisor do ônibus.
      Ao chegar no trabalho, me sentei e a mesa de vidro, teimosa como todos desse dia, me refletia. Obriguei-me a sorrir, a fim de me iludir com um dia agradável. Nisso, chegando os colegas funcionários, os mesmos me sorriam de volta, sem saber que meu sorriso era falso. Tanta graça foi iluminando o dia que, àquela altura, eu já nem lembrava porque começara tão ruim...
      No fim do dia, contabilizei tantas risadas espontâneas a partir de sorrisos forçadamente refletidos que resolvi beijar meu espelho e o agradecer, como quem agradece a si mesmo, pelo lindo dia que ele me proporcionou.
                          (...)
      Hoje acordei e dei de cara comigo. Bendito espelho, inspirador dos sorrisos de todo dia.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Adeus, saudade


Havia algo aqui dentro
Fazendo barulho
Batendo, batendo
No mesmo compasso
Batendo no quarto
Um velho baú
Com seus velhos retratos

Abri o meu peito
Abri o baú
Saudade daqui e dali
Escaparam
Se encontraram no céu
E caíram lágrimas
Do céu, como chuva;
Do baú, manchas antigas;
Dos olhos, soro e leveza...

Aquele barulho
Quase me fez surdo
Emudeceu na tempestade
À saudade, disse adeus!
Fechei e guardei o baú
Limpei e fechei o peito
À vida, uma nova chance!
Renascido em branco e preto

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Rouco


Não faça pouco desse mal
Que nos consome pouco a pouco
Não julgue mal por ser tão pouco
O que lhe dei de coração
Não seja louco por tão pouco
Se normal não é tal mal
Não faça mal a este louco
Que se contenta com tão pouco
E de tão louco, pouco a pouco,
Está virando alguém normal.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Você é dor









De dor você entende nada
E nada você entende bem
Cuspindo soberba na cara
Olhando a dor de ninguém
De riso estampado na cara
Debocha de quem não o tem
Mas sua verdade é tão rara
Ninguém pagará um vintém

Implore a mão
De quem tem compaixão
Alguém haverá de estender
Entenda, amor:
Em todo canto de dor
Terá um pouco de você.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Caminhos



     É difícil conviver com o medo. Principalmente quando este vem acompanhado de outros. As vezes temos a sensação de que o tempo corre mais rápido para nós e acredite: pode ser verdade. Enquanto perdemos tempo dando atenção aos nossos medos, outras pessoas estão arriscando e ganhando esse tempo que perdemos olhando para o nada, angustiados por não tomarmos decisão...
     É complicado domar o medo quando ele cria um dilema. Por exemplo: ficar perdido entre o que quer, o que gosta e o que realmente precisa, passa aquela sensação de estar localizado, estático, no meio do nada, com três ou mais caminhos à disposição e com uma ampulheta marcando o escasso tempo que tem para escolher.
     O preocupante dessa situação é justamente essa escolha. Ou a "não escolha". Perdido nessa trilha, na qual não se sabe ao certo aonde vai dar, pode parecer um suicídio decidido na Roleta Russa...
     Mas e o tempo? Ele não ficou parado enquanto decidíamos o caminho. Não sei qual a melhor resposta, mas, certamente, ficar parado no meio da trilha não é o mais aconselhado.
     De verdade? Fecha o olho e vai! Se der errado, volte duas casas, já ciente de qual caminho não seguir. E se não der para corrigir a opção errada, a vida se encarregará de propor outros dilemas, com outras questões e você verá que foi testado durante toda sua existência, numa infinita prova de múltipla escolha, desde quando não sabia se gostava mais de Cremogema® natural (com canela ❤) ou de chocolate... A vida cobra respostas definitivas.
     Então, sem medo do final, se joga. Paulinho Moska diria:
"... Qual é a graça
De já saber o fim da estrada
Quando se parte rumo ao nada?"

Boa prova... Digo, boa sorte!

quarta-feira, 11 de março de 2015

Seguimos esperando...

 


     Pelo fim do dia; pela sexta-feira; pelo grande amor. Esperando pelas festas; pelo natal; pelo verão e o carnaval.
     Esperando pelo trem, como Pedro Penseiro; pelo fim do mês e o salário; pelo aumento que demora a vir...
     Esperando pela sorte; pelo destino. Esperando pelo milagre. Aceitando a sina e o "carma". Aceitando o açoite da carne.
     Seguimos esperando nove meses... Ou sete. Esperando o anúncio do sexo. Esperando o encaixe no sexo.
     Esperamos fazer 18. Depois 20, 30... Esperamos pelo casamento e depois pela coragem de dizer "chega".
     Esperamos virar o ano. Depois o outro e o próximo. Impressionante como raras vezes o tempo presente é aceito como um presente.
     Chegará um dia em que estaremos próximos do fim e nos daremos conta que desperdiçando momentos, na torcida para antecipar os próximos, estivemos de algum modo abreviando a vida passando todo o tempo esperando, esperando, esperando...

terça-feira, 3 de março de 2015

Morena Gê

 

     O problema é que ela era bonita. Morena, magra, bunda grande, cabelo cacheado, gostosa. O tipo de mulher que o gringo descreve quando fala das brasileiras. E para a sorte de muita gente, ela era carioca. Muita gente mesmo...
     Por saber de todo seu poder feminino (e  o conhecimento desse poder é a maior arma de uma mulher), usava e abusava da sedução latente na sua personalidade, sem pudor nenhum. Possuía um número vasto de admiradores (para usar um termo "light") e uma lista bem reduzida de namorados. O pessoal gostava disso, afinal, para que privá-lo de tanta beleza desfilando pelos cantos da cidade?
     Acostumada a transitar pelos sambas, pagodes, festas e bailes, não se fazia de rogada quando queria a companhia de quem quer que fosse. Arrastava consigo sempre uma fileira de amigas, amigos e até um ou outro caso e até ex casos amorosos. Normal... Para ela. Mas daquela vez ela exagerou...
     Era a semana que antecedia um super baile de música negra. Uma noite black, dedicada inteiramente ao ritmo, cujo estilo tinha tudo a ver com ela, como quase todos. Fez seus contatos e foi tratando de convidar seus amigos. No calor da emoção e tomada pela euforia, convidou um amigo com o qual já havia tido um caso. Depois, chamou um "ficante" atual. Após, outro rapaz, que também estava "conhecendo" há algumas semanas... E assim ela foi se empolgando e convidando, até chegar no inacreditavel número de 11 "amigos", todos com algum tipo de envolvimento amoroso ou sexual. Ela só não contava que todos aceitassem prontamente o convite. Mas ela, que nunca negou gostar de ver o circo pegar fogo, se divertia com a história e imaginava o quanto seriam engraçadas as cenas desse episódio.
     Chegado o dia do baile e lá foi ela se preparar para a noite: saia amarela começando na altura do umbigo e terminando num tamanho suficiente para tampar o que não deve ser deixado à mostra; blusa branca, colo aberto e barra logo abaixo dos seios, deixando livre a brecha que exibia uma barriga lisa, morena e sem excessos, aparecendo até o amarelo da saia que realçava ainda mais sua cor alucinante; o cabelo alisado, rejeitando qualquer tipo de ditadura que a obrigasse deixar seu cabelo cacheado só porque virou moda deixá-lo assim.
     Saiu de casa sozinha. Afinal, companhia não faltaria. Os onze rapazes, coitados... Também foram sozinhos. Chegando, um a um. Não se conheciam. Eram brancos, negros, magros, altos, fortes e até alguns com um padrão de beleza duvidoso. Era diversificado o gosto da moça.
     Ao chegar no baile, o que viu foram sorrisos e olhares brilhantes. Desde o DJ, passando pelos 11 trouxas, até os vendedores das barraquinhas... Apenas os onze se sproximaram, instantaneamente, a cumprimentaram e ficaram ali ora dançando, ora como guardiões, protegendo-a dos outros. A danada evitou o quanto pôde qualquer contato íntimo. Exceto quando arrumava um jeito de ir ao banheiro com um, ou buscar uma bebida com outro, ou outra desculpa para se ausentar com os nove restantes. Um de cada vez.
     Aquela zona parecia ordeira, até a princesa resolver flertar com um mulato à poucos metros dali. Alto, forte com os braços amostra em sua regata, um boné mal posto na cabeça, ginga negra e sorriso amplo. Não satisfeita com os onze rapazes que a cortejavam, se aproximou da décima segunda vítima e dançou sensualmente, de frente e de costas, provocando aquelas reações hormonais no pobre mortal.
     Enquanto se deleitava da música e do corpo do moreno, sorria para os outros, ignorando o fato de estar se iniciando uma guerra entre eles. Estes, se dando conta de que estavam ali pelos mesmos motivos, convites e intenções, a xingavam, enquanto alguns a defendiam e outros já se degladiavam. E ela? Ria, diabolicamente, enquanto mordia o canudo da caipirinha. Àquela hora, os onze iludidos já trocavam socos indiscriminadamente entre si, enquanto ela se entregava aos beijos e braços do tal mulato nunca visto antes por ali.
     E enquanto o sangue dos enganados já manchava o chão da Pedra do Sal, o do negro fervia, o impulsionando a arrastar a "menina-moça-infernal", que de livre vontade deixava ser levada por ele, que mal a conhecia e tinha nada a ver com a história. E viveram felizes até o baile seguinte...
   

                                 Leonardo Pierre