segunda-feira, 22 de setembro de 2014

É Ela









É mais que flor...  É desejo de florir
É mais que sonhos cor de rosa
É arco e flecha de rosas e seus espinhos
Dos que doem e arranham... Aos singelos presentes às amadas
É mais que entre o inverno e o estio
É mais que a preparação para o calor
É juventude, é contagem, é aniversário
É dádiva, é cor!
É vermelha!
É chão coberto de luz
É folha voando ao vento leve
É sopro interno abrindo caminho até o infinito
É pássaro admirando a si
É reflexo do sol após a bruma vez ou outra
É dia iluminado para noites dissonoras
Onde nem vento, nem garça
Ninguém ousa incomodá-la
É saída do casulo
É pouco, é tudo
É fato, é flor
Sou eu, é você
É Ela.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Afeto ainda feto


Amo um amor improvável
Um amor indecifrável
De defeito incorrigível
De proporção incalculável
Um amor intangível


Algo inimaginável
Um amor que não morreu
Pois é um amor que não se sabe
Um amor que não existe
Amor que ainda não nasceu

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Missão: desvendar!

        Percebi que o que mais me atraiu em você foi o seu mistério. Seu ar de segredo com olhar de “vem me decifrar” chamou mais minha atenção que sua notável beleza. Havia nesses olhos uma ingenuidade burra que me fazia lhe querer e me desafiava, no jogo particular de me provar que seria capaz de lhe conhecer mais que você... Sua testa, ora franzida, ora acompanhando a sobrancelha esquerda levemente levantada não me intimidava. Eu ria. Pensava como ser possível em tão poucos anos vividos, caber tanta arrogância e altivez. Que alias, não duraram muito tempo, como eu já previa.
       Eu, que não sabia grandes coisas da vida, mas sabia um pouco do mundo, me apaixonei pelo seu mistério, antes mesmo que pudesse descobrir seu nome. Até que chegasse ao seu convívio, não me cansei de olhar de longe o que eu tinha certeza que estava me esperando. Sondei, rondei, forcei “encontros casuais”... Como já me apaixonara por tudo que você era antes mesmo de lhe conhecer intimamente, não foi muito difícil me afeiçoar pelo seu toque, seu nome, seu cheiro, seu jeito. Depois de perder os sentidos, perdi também o controle da situação.
       Passei a lhe ensinar um pouco mais da vida, enquanto você me ensinava o quanto era bom ser espelho para alguém. Gostava disso. Era uma mútua satisfação: meu prazer em proteger; seu conforto em ter onde deitar, encostar e se sentir longe de qualquer perigo. Apequenei-me diante de tanta pureza. Enquanto decifrava todos os seus mistérios, os quais eram os principais motivos pelo meu encantamento, você se desnudava mais ainda na vida. Não queria, mais acabei sendo o responsável por esses seus voos. Perdi o controle de mim, de minhas atitudes e sobre você...
       Você já era quase totalmente transparente pra mim e os desafios já não eram mais tão nobres. Não havia mais cheiros a descobrir, mistérios e segredos, o toque não se renovava. Era muito de você em mim. Transbordou e esvaziou aos poucos. Eu não queria aquele jogo besta e comum dos casais normais. Não era instigante ter que administrar crises rotineiras.
       Agora, de longe, entendi que o fim de qualquer coisa nossa, coincidiu com o fim dos seus mistérios. Soubesse disso, eu jamais teria tido tanta pressa em lhe descobrir. Gostava da sua ingenuidade, da arrogância acompanhada de caras e bocas e trejeitos. Sobrancelhas e testas franzidas. Gostava do que você era
. E eu, ainda sendo o velho eu, continuo me desafiando a descobrir novos segredos espalhados por aí.

                                                                                   Leonardo Pierre

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Descobrindo...

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Contemplando cenas repetidas




       O que pensam as pessoas que estão sempre no mesmo lugar?  Há dias observava daqui, janela da cozinha do escritório no qual trabalho, um senhor, pelo que me parece a essa distância. Não fico parado aqui o dia inteiro, certamente. Mas naquele horário, beirando às 4 da tarde, este homem estava sempre lá, na janela de seu apartamento. Na mão esquerda, um cigarro; na direita, um copo - de café, suponho. Não pela fumaça, a qual eu não avistava daqui.
     Nessa minha pausa diária de cinco minutos, perdia quatro olhando para a janela que fica a aproximadamente 50 metros da minha, e o outro minuto enchendo meu copo de café, o levantando em direção ao senhor em espécie de brinde, que nunca houve resposta. Não sei se perco quatro minutos ou ganho, mas ficava tentando imaginar no que pensava tal homem. Será que pensa? Que devaneios teria, se é que os tinha, ou era tão ou mais lúcido que eu. Seria café, ou uma bebida escura qualquer?
          Lá ficava o homem. Não sabia de fato no que pensava. Se num filho, ou nas dívidas. Ou se apenas esperava o cigarro, que lhe entupia os pulmões, acabar. Se ele aguarda o padeiro passar na rua e dar-lhe um “tchau”, no momento em que já não tomo mais meu café. Ou futilidades. E em outra estação, quando talvez o sol brilhasse em sua janela naquele horário que bebia o café? Será que ficava ali a se bronzear, sem camisa, soprando fumaça para o alto?
           Na janela, nunca vi outra pessoa. Nem de passagem, nem para fechá-la. Sempre pensei que ele fosse um homem sozinho... Ao final do meu expediente, saía às conversas com outros colegas de trabalho e disfarçadamente olhava para o alto e não encontrava mais ninguém. Apenas uma claridade, que provavelmente vinha de uma televisão, iluminava uma fresta deixada na janela. Não sei porque tenho tanto fascínio por essas coisas que se repetem. No caminho de volta para casa pensava todos os dias, o que fazia aquele senhor que, sempre no mesmo horário, estava no mesmo lugar.
            ...
           Nunca esqueci essas cenas. Meses depois, descobri que o senhor havia morrido. E uma senhora contou, saudosa, dos momentos do senhor às tardes, fumando e bebendo café na janela, enquanto ela o observava, sentada no sofá, em silêncio, tentando adivinhar os pensamentos de seu marido, que sempre foi enigmático, causando curiosidade em todas as pessoas que o cercavam. Inclusive em mim.

                                                                                Leonardo Pierre
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