quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Contemplando cenas repetidas




       O que pensam as pessoas que estão sempre no mesmo lugar?  Há dias observava daqui, janela da cozinha do escritório no qual trabalho, um senhor, pelo que me parece a essa distância. Não fico parado aqui o dia inteiro, certamente. Mas naquele horário, beirando às 4 da tarde, este homem estava sempre lá, na janela de seu apartamento. Na mão esquerda, um cigarro; na direita, um copo - de café, suponho. Não pela fumaça, a qual eu não avistava daqui.
     Nessa minha pausa diária de cinco minutos, perdia quatro olhando para a janela que fica a aproximadamente 50 metros da minha, e o outro minuto enchendo meu copo de café, o levantando em direção ao senhor em espécie de brinde, que nunca houve resposta. Não sei se perco quatro minutos ou ganho, mas ficava tentando imaginar no que pensava tal homem. Será que pensa? Que devaneios teria, se é que os tinha, ou era tão ou mais lúcido que eu. Seria café, ou uma bebida escura qualquer?
          Lá ficava o homem. Não sabia de fato no que pensava. Se num filho, ou nas dívidas. Ou se apenas esperava o cigarro, que lhe entupia os pulmões, acabar. Se ele aguarda o padeiro passar na rua e dar-lhe um “tchau”, no momento em que já não tomo mais meu café. Ou futilidades. E em outra estação, quando talvez o sol brilhasse em sua janela naquele horário que bebia o café? Será que ficava ali a se bronzear, sem camisa, soprando fumaça para o alto?
           Na janela, nunca vi outra pessoa. Nem de passagem, nem para fechá-la. Sempre pensei que ele fosse um homem sozinho... Ao final do meu expediente, saía às conversas com outros colegas de trabalho e disfarçadamente olhava para o alto e não encontrava mais ninguém. Apenas uma claridade, que provavelmente vinha de uma televisão, iluminava uma fresta deixada na janela. Não sei porque tenho tanto fascínio por essas coisas que se repetem. No caminho de volta para casa pensava todos os dias, o que fazia aquele senhor que, sempre no mesmo horário, estava no mesmo lugar.
            ...
           Nunca esqueci essas cenas. Meses depois, descobri que o senhor havia morrido. E uma senhora contou, saudosa, dos momentos do senhor às tardes, fumando e bebendo café na janela, enquanto ela o observava, sentada no sofá, em silêncio, tentando adivinhar os pensamentos de seu marido, que sempre foi enigmático, causando curiosidade em todas as pessoas que o cercavam. Inclusive em mim.

                                                                                Leonardo Pierre
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